sábado, 11 de fevereiro de 2012

A família, primeira escola de oração

Se não se aprende a rezar em família, difícil será depois preencher esse vazio. Por isso, gostaria de convidar-vos a redescobrir a beleza de orar juntos, na escola da Sagrada Família de Nazaré.

Tendo presente o tema da oração, que estou desenvolvendo atualmente nas catequeses, gostaria de convidar-vos hoje a refletir sobre o modo como ela faz parte da vida da Sagrada Família de Nazaré. A casa de Nazaré, com efeito, é uma escola de oração, na qual se aprende a ouvir, a meditar, a penetrar o significado profundo da manifestação do Filho de Deus, tomando como exemplo Maria, José e Jesus. [...]

Das narrações evangélicas sobre a infância de Jesus, podemos tirar alguns elementos sobre a oração, sobre a relação da Sagrada Família com Deus. Podemos partir do episódio da apresentação de Jesus no templo.

São Lucas relata que Maria e José, "quando chegou o dia fixado pela Lei de Moisés para a purificação, levaram-No a Jerusalém para apresentá-Lo ao Senhor" (2, 22). Tal como qualquer família judaica cumpridora da Lei, os pais de Jesus foram ao templo para consagrar a Deus seu primogênito e oferecer o sacrifício. Animados pela fidelidade às prescrições, partem de Belém rumo a Jerusalém, com Jesus que tem apenas quarenta dias; em vez de um cordeiro de um ano apresentam a oferta das famílias simples, ou seja, duas pombas.
Iglesia de Santa Cruz Sagrada Familia.jpg
"A Sagrada Família é o ícone da Igreja
doméstica, chamada a rezar em conjunto"


"Sagrada Família" - Igreja da Santa Cruz,
Grijota (Espanha)
A peregrinação da Sagrada Família é a peregrinação da fé, da oferenda dos dons, símbolo da oração, e do encontro com o Senhor, que Maria e José já veem no seu filho Jesus.

Maria vive do olhar de Deus

A contemplação de Cristo tem em Maria o seu modelo inigualável. O rosto do Filho pertence-Lhe a título especial, porque foi em seu seio que ele se formou, tomando d'Ela também um semblante humano.

Ninguém se dedicou à contemplação de Jesus com tanta assiduidade quanto Maria. O olhar do seu coração concentra-se sobre Ele já no momento da Anunciação, quando Ela O concebe por obra do Espírito Santo. Nos meses subsequentes, sente pouco a pouco a sua presença, até o dia do nascimento, quando seus olhos podem fixar com ternura materna o rosto do seu Filho, enquanto O envolve em faixas e O coloca na manjedoura.

As recordações de Jesus, gravadas na mente e no coração de Maria, marcaram cada momento de sua existência. Ela vive com os olhos postos em Cristo e valoriza cada uma das suas palavras. Diz São Lucas: "Quanto a Maria, conservava todas essas coisas e as meditava no seu coração" (Lc 2, 19). Assim descreve ele a atitude de Maria diante do Mistério da Encarnação, uma atitude que se prolongará por toda a sua existência: conservar as coisas e meditá-las em seu coração.

Lucas é o Evangelista que nos faz conhecer o Coração de Maria, sua fé (cf. 1, 45), sua esperança e sua obediência (cf. 1, 38), de modo particular sua interioridade e sua oração (cf. 1, 46-56), sua livre adesão a Cristo (cf. 1, 55). E tudo isso procede do dom do Espírito Santo, o qual desce sobre Ela (cf. 1, 35) como descerá sobre os Apóstolos, segundo a promessa de Cristo (cf. At 1, 8). Esta imagem de Maria transmitida por São Lucas nos apresenta a Virgem como modelo de cada crente que conserva e confronta as palavras e as ações de Jesus, um confronto que é sempre um progredir no conhecimento d'Ele.

Na esteira do Beato João Paulo II (cf. Carta apostólica Rosarium Virginis Mariæ), podemos dizer que a recitação do Rosário tem o seu modelo precisamente em Maria, porque consiste em contemplar os mistérios de Cristo em união espiritual com a Mãe do Senhor. A capacidade de Maria de viver do olhar de Deus é, por assim dizer, contagiosa.

José entregou-se totalmente a Maria e a Jesus

O primeiro a fazer essa experiência foi São José. Seu humilde e sincero amor à sua prometida e a decisão de unir sua vida à de Maria o atraíram e introduziram também a ele, que já era um "homem justo" (Mt 1, 19), numa singular intimidade com Deus.

De fato, com Maria e depois, sobretudo, com Jesus, ele inicia uma nova forma de relacionar-se com Deus, de O acolher na própria vida, de entrar no seu projeto de salvação, cumprindo a sua vontade. Depois de ter seguido com confiança a indicação do Anjo - "não temas receber Maria, tua esposa" (Mt 1, 20) - ele A tomou consigo e partilhou sua vida com Ela; entregou-se deveras totalmente a Maria e a Jesus, e isto o conduziu à perfeição da resposta à vocação recebida.

O Evangelho, como sabemos, não conservou palavra alguma de José. A sua presença é silenciosa, mas fiel, constante, laboriosa. Podemos imaginar que também ele, como sua esposa e em íntima consonância com Ela, tenha vivido os anos da infância e da adolescência de Jesus, deleitando- se, por assim dizer, com a sua presença na família.

José cumpriu plenamente o seu papel paterno, sob todos os aspectos. Certamente educou Jesus na oração, junto com Maria. Ele, em particular, tê-Lo-á levado consigo à sinagoga, aos ritos do sábado, assim como a Jerusalém, para as grandes festas do povo de Israel. José, segundo a tradição judaica, terá guiado a oração doméstica quer no dia a dia - de manhã, à noite, nas refeições -, quer nas principais festas religiosas. Assim, no ritmo dos dias transcorridos em Nazaré, entre a casa simples e a oficina de José, Jesus aprendeu a alternar oração e trabalho, e a oferecer a Deus também a fadiga para ganhar o pão necessário à família.

O mistério da existência cristã está fundado na oração

Há outro episódio que vê a Sagrada Família de Nazaré reunida numa ocasião de oração. Aos doze anos, Jesus vai com seus pais ao templo de Jerusalém. Esse episódio insere-se no contexto da peregrinação, como ressalta São Lucas: "Seus pais iam todos os anos a Jerusalém, para a festa da Páscoa. Tendo ele atingido doze anos, fizeram a peregrinação, segundo o costume" (2, 41-42).

A peregrinação é uma manifestação religiosa que se nutre de oração e, ao mesmo tempo, a nutre. Trata-se aqui da peregrinação pascal, e o Evangelista faz-nos observar que a família de Jesus a realiza todos os anos, para participar nos ritos na Cidade Santa. A família judaica, como a cristã, reza na intimidade doméstica, mas ora igualmente com a comunidade, reconhecendo-se parte do Povo de Deus a caminho. A Páscoa é o centro e o ápice de tudo isso, e envolve a dimensão familiar e a do culto litúrgico e público.

No episódio de Jesus com doze anos são registradas também as suas primeiras palavras: "Por que Me procuráveis? Não sabíeis que devo ocupar-Me das coisas de meu Pai?" (Lc 2, 49). Após três dias de procura, seus pais O encontraram no templo sentado entre os mestres, enquanto os ouvia e interrogava (cf. Lc 2, 46). Quando Lhe perguntaram por que agira assim com seu pai e sua mãe, Ele respondeu que fez unicamente o que o Filho deve fazer, ou seja, permanecer junto ao Pai Assim, Jesus mostra quem é o verdadeiro Pai, onde é sua verdadeira casa, que Ele nada fez de estranho, que não foi desobediente. Ele permaneceu no lugar onde deve estar o Filho, ou seja, junto ao Pai, e frisou quem é seu Pai.

A palavra "Pai" domina, assim, o tom dessa resposta e faz emergir todo o mistério cristológico. Essa palavra abre, portanto, o mistério, ela é a chave do mistério de Cristo, que é o Filho, e é também a chave de nosso mistério de cristãos, que somos filhos no Filho.

Ao mesmo tempo, Jesus nos ensina a ser filhos, precisamente no gesto de estar com o Pai na oração. O mistério cristológico, o mistério da existência cristã está intimamente ligado, fundado na oração. Um dia, Jesus ensinará os seus discípulos a rezar, dizendo-lhes: quando orardes, dizei "Pai". E, naturalmente, não o digais apenas com as palavras, mas também com vossa existência, aprendei cada vez mais a dizer com vossa existência: "Pai"; e assim sereis de fato filhos no Filho, autênticos cristãos.
Encontro de Jesus no Templo.jpg
"Jesus nos ensina a ser filhos, precisamente
no gesto de estar com o Pai na oração"


"Encontro de Jesus no Templo" -
Santuário do Sagrado Coração de Jesus, São Paulo

A Sagrada Família é o ícone da Igreja doméstica

Aqui, quando Jesus ainda está plenamente inserido na vida da Família de Nazaré, é importante observar a ressonância que pode ter tido nos corações de Maria e de José o fato de ouvir dos lábios do Menino a palavra "Pai", de ouvi-Lo revelar, sublinhar quem é o Pai, de ouvir de seus lábios essa palavra na consciência de ser o Filho único, o qual precisamente por isso quis permanecer três dias no templo, que é a "casa do Pai".

A partir de então, podemos imaginar que a vida na Sagrada Família ficou ainda mais cheia de oração, porque do Coração de Jesus menino, depois adolescente e jovem, não deixará mais de se difundir e refletir nos corações de Maria e de José esse sentido profundo da relação com Deus Pai.

Esse episódio mostra-nos a verdadeira situação, a atmosfera do fato de estar com o Pai. Assim, a Família de Nazaré é o primeiro modelo da Igreja no qual, em torno da presença de Jesus e graças à sua mediação, todos vivem a relação filial com Deus Pai, que transforma também as relações interpessoais, humanas.

Queridos amigos, é em razão desses diversos aspectos - os quais evoquei sucintamente à luz do Evangelho - que a Sagrada Família é o ícone da Igreja doméstica, chamada a rezar em conjunto. A família é a Igreja doméstica e deve ser a primeira escola de oração. Nela as crianças, desde a mais tenra idade, podem aprender a perceber o sentido de Deus, graças ao ensinamento e ao exemplo dos pais: viver numa atmosfera caracterizada pela presença de Deus.

Uma educação autenticamente cristã não pode prescindir da experiência da oração. Se não se aprende a rezar em família, depois será difícil conseguir preencher esse vazio. Por isso, eu gostaria de convidar- vos a redescobrir a beleza de rezar juntos como família, na escola da Sagrada Família de Nazaré. E a vos tornardes assim um só coração e uma só alma, uma verdadeira família.

(Excertos da Audiência geral de 28/12/2011 - Tradução: Arautos do Evangelho)
(Revista Arautos do Evangelho, Fev/2012, n. 122, p. 6 à 8)

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